OLHAR DESPETALADO
OLHAR DESPETALADO
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
(Republicado em Belo Horizonte,2002)
O carro pára no sinal e a criança mais que esfarrapada, se acerca.Nas mãos, a caixinha de chiclets.Ou de outra coisa qualquer:um produto colocado ali pela pessoa mais velha.Pode ser um pai ou mãe,um explorador, um proxeneta.Há muitas crianças dessas vendendo nos sinais...
Nos sinais há desses anjinhos sem asas, o local delas marcados nos ossos sob as espáduas, que poderiam estar se iniciando grotescamente nas clavículas aparentes sob camisetas rotas.
Sob as camisetas rotas,o peito encovado.Sei que comem mal,´já atendi um pré-adolescente que passou por isso.Pedaço de pão, sopa rala...E no lugar desse parco alimento, uma surra se não "deram conta" de vender os produtos.
Se não deram conta de vender o produtos, às vezes são até queimados com pontas de cigarros.Bracinhos retorcidos para trás.Amarrados pelos pés para não fugirem...
Amarrados pelos pés para não fugirem, ganham de presente, olheiras...E os olhinhos encovados, parecem-me água de poço fundo/escuro...
Água de poço fundo/escuro...E a escuridão da noites sem luar, úmidas de lágrimas não mais derramadas...Acostumam-se àquilo:parece-lhes natural sofrer, sentem-se culpados se as vendas não foram boas...
Mas se o sinal não abre e tenho tempo de fazer-lhes um afago ou dar-lhes um dinheirinho que por certo aprenderam a esconder(ou não?), o sorriso que lhes ilumina o rosto, é um grande sol...
Os olhos escuros se despetalam em pontos perdidos no ar.Vou embora, recolhendo-os na memória...
Na memória, o olhar despetalado.Invadem as minhas noites.E choro o pranto que eles não mais conseguem chorar...
Belo Horizonte, 20/03/1990
Publicado por clevane pessoa de araújo lopes em 22/07/2006 às 21h00
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