Maria de Jesus Fortuna - A paixão
14/04/2006 14h02
Imagens:foto da autora, crucificação
A Paixão(segundo Maria Fortuna)
Maria de Jesus Fortuna(Maria Fortuna)é escritora maranhense de apurada verve.Escreve poesia de forma especialíssima,literatura infantil(escreveu,por exemplo,"O Anjinho que queria ser gente"*,pela Editora Mazza,de Belô**)e ainda é ilustradora,faz charges(é a criadora da personagem menopáusica Lena Lúcia,impagável!).Prima do chargista Fortuna.A autora tem um pé na Minas Gerais,mas atualmente,está morando no Rio de Janeiro.
Dela,o artigo profundo/leve abaixo.
Vale a pena ler.
O e-mail dela para contatos é mjfortuna@terra.com.br)
(Clevane)
"A Paixão
Maria J Fortuna
Lá estava eu, no colo do meu irmão Roberto aos quatro anos de idade em S. Luis do Maranhão, dentro do cinema Roxy. O que se passava na tela não podia ser mais pavoroso! Meu coraçãozinho batia forte e descompassado e os pequenos pulmões pressionados por duas invisíveis mãos cruéis. Foi minha primeira crise de pânico! Depois deste dia a crise só se repetiu na época da ditadura militar com o AI 5 .
Não era para menos. Na minha cabecinha de 4 anos pensei. Jesus é bom e santo, minha mãe é boa e santa. Se matam Jesus, podem matar minha mãe! Gente boa e santa acaba morrendo crucificado! E eu não estava tão longe assim da verdade.
Devo ressaltar que o maranhense é um povo muito messiânico e a figura da mãe é o centro da vida do povo de lá . Isto naquela época. Não sei se continua sendo assim. Mesmo casado, cheio de filhos, obedecia-se a mãe, venerava-se a mãe. Cobria-se a mãe de uma aureola de santidade, fosse o que fosse. Além do mais eu tenho o nome da Mãe do Messias – Maria e do próprio Messias – Jesus!
- Você é Maria de quem? Perguntavam as freiras do meu colégio e eu respondia timidamente, sem gostar muito daquilo...
- Maria de Jesus...
Passei a vida tentando esquecer o martírio de Quem levo o nome... Mas a Igreja Católica, a qual sempre pertenci, insistia em expor todas as chagas do Messias como um troféu, dizendo que morreu por nossos pecados.
Certa vez como menina pequena arranquei quatro Cristos dos crucifixos das camas de minhas tias solteiras. Coloquei os corpinhos de chumbo na cama das bonecas e os cobri cuidadosamente. Enquanto as mãos ficaram grudadas nos crucifixos.
Por que você fez isto, menina? Indagou uma de minha tias.
Não quero ver meu Lindo pregado numa cruz, respondi chorosa
Estranho que nunca vi um artigo, uma referencia, pesquisa ou publicação em algum material sobre psicologia infantil, em relação a este tema. Crianças católicas são quase obrigadas a assistir tais filmes que, de tempos em tempos, tem suas versões renovadas. Como não traumatizar, uma mente infantil com tais horrores? Como desgrudar a imagem do Salvador da tortura no inconsciente coletivo? Sim, porque o cristão cresce com aquela imagem como prioritária nas relações com Seu Mestre.
Qualquer tortura, em qualquer ser humano ou animal, é degradante. Ainda mais praticada contra Aquele que foi indicado à criança cristã como o Messias, o Mestre, o Verbo Encarnado que habitou entre nós... A infância carece de sentir doçura, aconchego nas relações com o Criador. Dificilmente lhes é mostrado a Face revolucionária do Jesus preso político.
Agora me aparece o filme do Mel Gibson... o refino do sadismo... Segundo me contaram, superou todos os outros!. .
“- Passo nem na porta do cinema”, pensei. E realmente nego-me a assistir.
Mas comecei a ler comentários.dos jornais e revistas Inteirei-me das acusações de anti-semitismo, e a versão de que na realidade os culpados eram os romanos, porque Pilatos, que no filme parecia um inocente útil, usado pelos judeus, era na realidade um terrível sanguinário, que havia mandado matar milhares de judeus, e que na realidade Jesus tinha sido morto sob os auspícios da lei e do Estado, etc.
As bancas de revistas pingando sangue, com a figura do ator de Mel Gibson ensangüentado, horrível, repugnante! Passou a Semana Santa e a questão continua... alimentada pela mídia. Vou nas locadoras e vejo o filme por lá, entro nas Lojas Americanas, lá está o filme... Até outdoor já fizeram do rosto doloroso de Jesus, como uma “bela” propaganda do filme.
Creio que salvo os evangélicos, que crescem em número e alguns em fundamentalismo, como uma ameaça velada - as pessoas de um modo geral, católicas ou não, desconhecem a Bíblia. A historia de Jesus parece um conto distante, passando pela tradição mais oral, para quem não tem interesse ou obrigação de ler os livros sagrados.
.. Sua vida e morte são lembradas no Natal e na Semana Santa. Aparecem mil histórias, dentro da História. Jesus passa a ser responsabilizado pela abertura de centenas destas Igrejas, com os mais variados nomes.
Soube de um livro cujo autor é um teólogo americano, John Spong. “Resgatando a Bíblia do fundamentalismo” escrito em 1990, que parece trazer alguma lucidez a questão teológica cristã. Segundo o autor a interpretação ao pé da letra do que ali está escrito leva a conclusão absurdas! E, infelizmente, é o que acontece por aí. Enquanto Jean Yves Leloup nos fala sobre Jesus Salvador:
“Do que precisamos ser salvos? .Salvos da injustiça, da idolatria. Pecado é viver ao lado de si mesmo, perder o eixo. Conversão é o retorno em direção ao que lhe é próprio. Retorno a si mesmo Jesus nos recoloca em nosso eixo, a coluna vertebral que é a árvore da vida. Reencontrar o nosso centro: o coração.”
As nossas cadeias estão cheias de pessoas torturadas. E nos países em que houve e ainda há Ditaduras, as celas ficaram repletas de pessoas consideradas subversivas politicamente. E o castigo da cruz era para os subversivos da época ou escravos. Segundo Leonardo Boff, “O Pai não quis a morte de Jesus; quis sim, sua fidelidade até o fim, mesmo que implicasse em morte. Ora, o Pai ( a quem Jesus chamava paizinho) foi-nos colocado por Ele, como infinitamente bom.
A vida de Cristo é uma grande história de coerência e fidelidade a Si Próprio e ao Criador. A tortura e morte de presos políticos em diversos países também é uma historia de coerência e fidelidade com os princípios de uma ideologia em que o ser humano supera-se a si mesmo para que o mundo venha a ser melhor.
No caso de Jesus, seu suplicio e morte infame não justifica em si o seu sacrifício cruento.mas sim.a coerência a fidelidade que teve para com o Criador até o fim! Trouxe-nos o exemplo máximo de fidelidade, de entrega e sobretudo de Amor a todos nós cristãos ou não cristãos. Sua morte foi imposta pela conjuntura criada naquela época. Ele questionou a Lei... e a Lei era sagrada para o povo judeu. Como o é até hoje. Consequentemente uma Pessoa altamente comprometida com a subversão. E quantos como Jesus morreram vitimas de sociedades fechadas, falsas ideologias, finadas com o mau, resultado de privilégios egoístas da elite de uma sociedade.? Temos o exemplo recente da Ir. Dorothy Stang , assassinada por defender os direitos dos trabalhadores do campo. E ao ser indagada pelos assassinos se ela tinha uma arma. Ela afirmou que sim e mostrou para eles sua arma – a Bíblia. Na tentativa de melhorar a dor do mundo a irmãzinha em sua fragilidade, aos 73 anos foi ferida de morte ao receber sete tiros
Recomendo aos que querem se aprofundar no tema da Pauxão o livro do Boff que se chama Paixão de Cristo, Paixão do mundo. Aí a gente pode encontrar uma visão mais sadia do que se passou. Ali encontramos o que significa a gente sentir em Jesus a figura do Salvador que salva e redime, através de uma Comunhão total com o Criador.
Deveríamos mostrar a nossas crianças que Jesus foi o homem mais verdadeiro que apareceu no planeta e que por esta Verdade imensa, infinita, abrangente, ontológica, sofreu e cumpriu sua Missão, e o que realmente interessa não é apenas a mensagem que deixou, mas o exemplo vivo do Amor encarnado e crucificado mas sobretudo ressussitado!"
Rio de Janeiro, 13.04.2006
Publicado originalmente em http://www.clevanepessoa.net/blog.php
por clevane pessoa de araújo lopes em 14/04/2006 às 14h02
*"O Anjinho Que Queria Ser Gente :já está em segunda edição.Ilustrado pela autora.
**Belô:Maneira pela qual os mineiros chamam sua capital (minas gerias, Brasil)
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